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AS RODAS DE CONVERSA NO DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA



Crianças em roda na escola

Nesta reflexão, você terá acesso:

- A uma breve exposição teórica sobre a necessidade de se desenvolver autonomia na

escola.

- A um relato de experiências da Escola Interpares com rodas de conversa, enquanto

estratégia de desenvolvimento da autonomia de seus alunos.



1. Ética e autonomia: princípios fundamentais


Esta reflexão está destinada a um interlocutor bem específico: a escola consciente de que todo o seu espaço é formativo e de que todos os processos e relações gerados em seu interior, todos os encaminhamentos, tudo o que é dito e o não dito são ações geradoras de aprendizagens.


Comecemos pelo educador. Considerando um pensamento progressista de educação, educador é todo aquele que é capaz de orientar e interferir positivamente na formação do outro. Freire (1999) defende que é papel do professor estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem, nas quais, ao passo que ensina, ele também aprende. Educador e educandos, portanto, aprendem juntos, em um encontro democrático e afetivo, no qual todos podem se expressar.


Uma decorrência dessa postura dialógica e mediadora do professor, é, sobretudo, o desenvolvimento da #autonomia dos educandos diante do conhecimento.

Sim, se há uma concepção de educador como mediador, há que se considerar também

uma concepção para a criança.


Discutindo a noção de infância, Dahlberg et al. (2003) trazem à tona uma

concepção de criança como co-construtora de conhecimento, identidade e cultura.


A criança é um ator social que age e participa ativamente da construção do seu conhecimento.

Dá sentido e elabora significados para suas experiências socioculturais, em vez de simplesmente reproduzir as práticas já estabelecidas.

Acontece que, nessa perspectiva, na qual a criança passa a ser um sujeito dotado de #autonomia e com #liberdadedeexpressão, a formação ética torna-se também uma necessidade.


Importante destacar aqui que a ética é compreendida como um conjunto de valores morais e princípios que orientam os comportamentos humanos, ela serve para equilibrar o bom funcionamento social e relaciona-se com a justiça social. A moral, por sua vez, refere-se a um conjunto de costumes e normas de uma determinada sociedade ou de uma cultura. (PEDRO, 2014.)


A construção da autonomia acontece por meio das atividades diárias vivenciadas no espaço escolar. Ao proporcionarmos a liberdade de falar e fazer, é preciso também refletir com as crianças sobre essa mesma liberdade. É nesse momento que entra a eticidade defendida por Freire na relação professor-aluno, como um saber indispensável à prática docente, um saber condizente, um saber que une teoria e prática.


A autonomia, que envolve a liberdade, desenvolve-se como um processo. É preciso aprender a tomar decisões e que estas sejam tomadas com eticidade. Freire ainda continua na defesa de que


é decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca.

(FREIRE, 1999, p. 119).



2. As rodas de conversa como possibilidade de desenvolvimento da autonomia


Como vimos, o desenvolvimento da autonomia, pelo exercício da liberdade nos espaços escolares, não pode ser menosprezado. É comum, porém, que os professores deixem de lado assembleias ou #rodasdeconversa priorizando aplicação de atividades pedagógicas em folhas ou avaliação.


É preciso redescobrir o potencial das rodas de conversa para exercitar a escuta do outro, a empatia e o respeito. Trata-se de um espaço ideal para o desenvolvimento de habilidades analíticas, uma vez que se discutem situações-problemas ligadas ao dia a dia escolar. É momento para a articulação do relato e da argumentação, já que se negociam soluções comprometidas com o coletivo. Não é demais, portanto, dizer que as rodas de conversa ampliam o letramento.

Para que possa funcionar efetivamente, essa estratégia precisa, evidentemente, de planejamento.



Criança segurando um cartaz

Da escolha do tema:


O primeiro passo é definir os temas a serem discutidos nas rodas de conversa.

Algumas vezes, essa provocação pode ocorrer por meio de imagens capazes de apoiar a demonstração de conceitos. Em outras vezes, as próprias crianças apresentarão os

temas a serem discutidos. Todo o espaço escolar utilizado por elas pode ser discutido e organizado nesses momentos.









pé de uma criança no chão

Dos combinados:


Na sequência, será importante saber encaminhar a discussão das crianças, fazendo combinados sobre a participação dos integrantes, o que falar e como falar.

Posteriormente, há que se prever uma avaliação coletiva da interação estabelecida, retomar e ajustar combinados e assim por diante.


Ao proporcionarmos às crianças espaços contínuos de assembleias ou de rodas de conversa para que decidam sobre as suas necessidades e formas de organização das suas próprias atividades, a escola se materializa como espaço democrático de vida social. Nesses momentos, as crianças exercitam a liberdade de expressão, a defesa de suas opiniões com base em argumentos, aprendem a conviver com opiniões diferentes, a negociar, pois


ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo somadas.

(FREIRE, 1999, p. 120).




Diversas crianças sentadas no pátio da escola

As rodas de conversa na prática


Na Escola Interpares, em Curitiba, as rodas de conversa são muitas e acontecem em diferentes momentos ao longo da semana, também com diferentes propósitos:


As rodas de conversa são momentos de estruturação coletiva da rotina - tão necessária para aprendizagem e saúde mental individual e do grupo;

  • São meio de estabelecer conexão com o interesse de aprendizagem de cada criança;

  • Oportunidade para que as crianças sejam agentes sociais de transformação da realidade escolar, debatendo problemas e soluções;

  • Tempo-espaço de validar o vivido e se reconhecer importante no espaço.


Roda da rotina - vivência estruturante


As crianças chegam à escola e, de repente, ouvem uma música que anuncia o início da roda. É um sinal pré-combinado, pois as próprias crianças elegeram essa música no início do ano.


Em pouco tempo, todos se reúnem no pátio da roda. Quando a música para, todos se sentam nos banquinhos; alunos de diferentes idades se misturam unidos pelo interesse comum: organizar o dia.


A roda começa com uma professora perguntando que dia é, como se escreve a data, e as crianças vão dizendo o que sabem. Nessa hora, salta aos olhos de todos os adultos como é produtivo que os “grandes” estejam juntos com os “pequenos”, há uma grande troca de saberes.


Depois de documentado o dia historicamente, analisando-se o seu número no calendário, seu nome, sua escrita, as crianças e professores partem para analisar o tempo e avaliam se estão bem vestidos para o dia. Todos se entreolham e percebem o que falta, o que está em excesso e precisa ser adequado para vivenciar a temperatura e condições meteorológicas do dia.


Em seguida, a conversa é sobre o cardápio do dia. São sorteadas algumas crianças para irem até a cozinha perguntar o que vai ter de almoço, lanche e jantar, elas saem correndo imbuídas da missão de descobrir o que vai ser saboreado. Depois retornam para a roda e contam ao seu modo o que ouviram do “chef”. Situações como a criança contar, no centro da roda, que o almoço daquele dia será “pescoço de girafa” e todos se alegrarem é uma marca da identidade da escola, afinal só os habitantes daquele espaço sabem o que é “pescoço de girafa”.


A professora escreve o cardápio e as crianças vão observando não só os elementos motores referentes à escrita (coordenação viso-motora, noção espacial, movimentos da mão para direcionar a escrita), como também vão analisando o som e a imagem das letras, e entre elas vão identificando a letra do nome do Pedro, o S de Samuel, o Gi de Giovanna... as crianças de todas as idades se envolvem com essa brincadeira de compor novas palavras usando letras que são referência para iniciar o nome de alguém. Além do “Pescoço de Girafa”, tem no cardápio da escola “Carne Miranda” e “Bife Tigrinho”.


O interessante da identidade da escola é esse #respeito pela linguagem infantil.

As crianças deram nome a alguns pratos, seja os que foram desenvolvidos com a nutricionista e as crianças, em suas tutorias (momentos individuais ou de pequenos grupos para aprendizagem), seja na brincadeira durante o almoço. Mas são nomes que as crianças deram e é assim que elas conhecem o prato, portanto é assim que fica escrito no planner da escola, na rotina da roda. Claro que quem entra na escola e lê o quadro da roda, vai achar que é tudo brincadeira, sem saber que essa é a nossa tarefa mais séria: dar vez e voz, validar a função social da oralidade e da escrita no universo infantil.


Feito o cardápio, é hora de combinar as propostas e vivências do dia. Nesse momento, as professoras anunciam o que vão fazer e o local onde estarão. As crianças ficam sabendo de antemão o que pode acontecer e do que poderão participar.


A roda encerra com uma brincadeira ou uma história e todos se levantam, alguns vão para o parque, outros ficam por ali e criam cenários lúdicos com os banquinhos, outros vão atrás das professoras e uns poucos vão até a cozinha saber se já está pronto o lanche.



Roda do GIR - Grupo de Intervenção da Realidade



A escola mantém grupos de alunos responsáveis por cuidar de algo coletivo, que importa a todos e com que todos devem se envolver: cuidado com os animais, cuidado com a saúde, cuidado com a comunicação etc. Ao fim de três meses, as crianças passam para outro grupo e vão participando ativamente dos problemas que acontecem na escola. Assim, elas mesmas se comprometem com ideias e atitudes para transformação e resolução dos problemas.


Durante um dia na semana, com duração de 30min, cada grupo, com professoras responsáveis, se reúne para discutir o que funciona e o que não funciona, o que não está sendo respeitado e o que precisa melhorar para garantir segurança e bem estar para todos na escola, como um direito ao bem comum e um direito de vida com qualidade.

O grupo responsável pelos animais, por vezes, se depara com problemas como pais que entram na escola e dão comida para os cães, ou cães que entram nos banheiros fazendo a maior sujeira, ou ainda animais que se sentem muito sozinhos durante o fim de semana. Todas essas situações podem ser resolvidas rapidamente por adultos, mas a escola é o exercício da cidadania, é a prática da democracia, então, quando as crianças se sentam e tentam entender os motivos desses problemas, buscando soluções, elas estão aprendendo a construir uma sociedade mais comprometida com a melhora, com o respeito à diversidade e com a inovação, encontrando soluções inéditas para problemas comuns.


Depois de levantar hipóteses para entender o problema, as crianças apontam ideias para resolvê-los. As professoras ou as crianças maiores anotam em ata e, no final do dia, todos os grupos se encontram e partilham suas ideias, se comprometendo a colocar em prática as sugestões apresentadas.


Na semana seguinte, as crianças analisam os dados e se as ideias que tiveram deram certo. Em caso afirmativo, partem para resolução de novos problemas; do contrário, analisam novamente a situação e buscam outras soluções e propostas.

Nessa roda há muito do exercício da cidadania, da prática do bem comum, do envolvimento com a pesquisa e ciência. Isso se revela ao levantar dados e hipóteses, ao mensurar as respostas, ao comunicar os resultados. Há também muito de alfabetização e matemática. Essa roda traz para o centro do debate não o conteúdo, mas a maneira como aplicamos e vivemos os nossos saberes.


Roda do Fim do Dia


Se tem uma coisa que nós, professores, precisamos é construir o ritual de significações. É importantíssimo que a criança termine o dia marcando o quão valioso aquele período foi. Que aprendizagens teve? Quais foram os momentos difíceis? O que quer repetir no dia seguinte? Além disso, é importante que ela saiba que, ao longo do dia, foi olhada, recebendo um reconhecimento por suas ações.


A roda do fim do dia retoma o que foi planejado na roda da rotina e ensina as crianças a importância de planejar e de, ao mesmo tempo, estar aberto aos imprevistos. É a roda do fim dia que vai garantir o sentimento de pertencimento, de proteção e de cumplicidade pertinentes na relação professor-criança, criança-criança e criança-grupo.


Esse momento tem duração de 20 minutos. Ao longo do dia, as professoras elencam os critérios de observação e vão marcando os alunos aos quais querem oferecer um reconhecimento. Essas anotações são colocadas em um pote e, na roda, é feito um sorteio para ler alguns apontamentos. Como é sorteio e as crianças sabem que os professores estão constantemente fazendo anotações, entendem que, um dia, receberão seu “bilhetinho”. Isso faz da roda do fim dia um momento bastante esperado por todos.


Finalmente, ainda nessa interação, é feita uma brincadeira com os professores para que as crianças vejam os adultos brincando. Há crianças que, infelizmente, não sabem #brincar. Há crianças que querem ser adultas e acham que brincar diminui o valor de ser gente grande, mas, quando se deparam com seus professores, que tanto admiram, #brincando, acabam por desconstruir suas prévias formulações e, aos poucos, vão se inserindo no universo lúdico e criativo. Esse tem sido um dos grandes ganhos da roda do fim dia.


Pontos positivos das diversas rodas na escola


  • Organização do tempo da aprendizagem no dia;

  • Respeito ao tempo da criança no envolvimento de cada proposta;

  • Desenvolvimento da escuta - mais espaços para ouvir a criança;

  • Aprendizado dos adultos;

  • Adultos falam menos;

  • Crianças protagonistas de suas histórias e aprendizagens;

  • Maior gentileza no espaço escolar;

  • Maior generosidade no convívio entre tantos, cada um com suas diferenças e necessidades;

  • Impulsionamento de aprendizagens, pois todos falam com todos e, por isso, aprendem mais, diversificam e ampliam repertório de comportamentos e conhecimentos;

  • Os interesses das crianças são validados acima dos conteúdos;

  • Mais espaço para brincadeiras;

  • Professores e funcionários da escola menos sobrecarregados porque dividem tarefas entre eles e com as crianças.

Cumpre destacar que esse é o exemplo de uma escola e o que vale para um nem sempre serve para o outro, porque não fala da sua identidade. Entretanto, conhecer práticas nos ajuda a repensar a nossa forma de intervenção e prática educativa, conhecer outras realidades aponta caminhos que devemos seguir ou não, mas, sobretudo, nos ensina sobre a autonomia que queremos para a nossa ação didática e a autonomia que queremos para as crianças.


Desenvolver a autonomia envolve conhecer nossa prática, mas também as crianças com a quais trabalhamos na escola, para sabermos seus interesses, seus conflitos, suas potencialidades e necessidades. É assim que poderemos avaliar o quanto uma criança é autônoma para a sua idade. Mais do que isso, é importante compreender que o desenvolvimento da autonomia está relacionado com a liberdade que oferecemos às crianças e que esta liberdade vem acompanhada de consequências que precisam ser discutidas eticamente.


Nesse processo de aprendizagem das crianças, educadores mediam situações e aprendem, numa relação dialógica com a criança e com o conhecimento.

Planejar espaços e tempos democráticos na escola, como as assembleias ou rodas de conversa, é considerar a criança como protagonista da sua aprendizagem, é considerá-la como sujeito histórico na sociedade.




Danielle Mari Stapassoli

Pedagoga e assessora pedagógica,

especialista em “Currículo e Prática Educativa” e

“Organização do Trabalho Pedagógico”,

mestranda em educação.


Deyse Campos

Pedagoga e assessora de ensino da Escola Interpares,

especialista em “Práticas Inovadoras de Ensino” e,

acima de tudo, uma observadora curiosa da infância.



 


REFERÊNCIAS

DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Construindo a primeira infância: o que achamos

que isso seja? In: DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da

primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 11. ed.

São Paulo: Paz e Terra, 1999.

PEDRO, Ana Paula. Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em

torno de um conceito comum. vol. 55 nº 130. Belo Horizonte: Kriterion, 2014.

Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-

512X2014000200002 ; Acesso em: 04 dez. 2020.

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1 Comment


Suzana Kawai
Suzana Kawai
Jan 12, 2021

Contribuição riquíssima para a escola que retorna à vida neste início de 2021. As imagens dão ainda mais vontade de experimentar como a Interpares. Parabéns! Fica a sugestão para um artigo sobre o redesenhar das rodas de conversa em tempos de isolamento social e mobilidade reduzida. Dá uma angústia pensar na promoção de momentos coletivos tão fundamentais nesse contexto atípico. Ideias?

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